GLOBAL MEDIA: LIBERDADE EM PERIGO?
Estado do País
No mais recente episódio do “Estado do País“, tivemos o prazer de receber Rita Salcedas, delegada sindical do Jornal de Notícias (JN), que nos fala sobre a crise no Grupo Global Media.
A conversa, permeada por uma preocupação palpável, centrou-se na chocante realidade do não pagamento de salários que assola jornalistas do JN, Diário de Notícias (DN), TSF, O Jogo e a agência Global Imagens. Uma exceção amarga nesta lista são os colegas do Açoriano Oriental, TCF Açores e, curiosamente, os trabalhadores da NavePrint, estes últimos após a aprovação de uma greve que parece ter surtido efeito.
A Inexplicável Disparidade nos Pagamentos
A falta de uma explicação coerente por parte da administração da Global Média para essa seletividade nos pagamentos é um dos pontos que mais revolta e intranquiliza a classe jornalística. Como justificar que alguns recebam os seus vencimentos enquanto outros enfrentam o peso da incerteza, acumulando meses sem salários, sem o merecido subsídio de Natal e, em alguns casos, até mesmo sem o subsídio de férias?
A Ameaça dos Despedimentos: Uma Nuvem Negra no Horizonte
Se a crise salarial já é um fardo pesado, a perspetiva de despedimentos em larga escala paira como uma nuvem negra sobre a Global Média. Fala-se num corte drástico de 150 a 200 postos de trabalho. Inicialmente ventilada como um processo de “rescisões amigáveis”, a proposta não convence, especialmente quando analisamos as condições oferecidas.
Rita Salcedas foi clara: as chamadas “rescisões amigáveis” não se mostram vantajosas para os trabalhadores, sobretudo quando comparadas com os direitos assegurados num despedimento coletivo, onde a indemnização é paga integralmente. Num contexto de instabilidade financeira como o atual, a promessa de pagamento parcelado da indemnização ao longo de 18 meses soa como um risco inaceitável.
O JN em Risco: Um Corte que Silencia Vozes
O foco da nossa conversa inevitavelmente voltou-se para o Jornal de Notícias. A intenção de cortar cerca de 40 profissionais no JN, incluindo jornalistas, redatores, gráficos e revisores, representa uma verdadeira machadada na força vital do jornal. Com uma redação já a trabalhar no limite, perder quase metade da sua equipa comprometeria irremediavelmente a qualidade, a profundidade e a abrangência da cobertura noticiosa que sempre foram a marca do JN. Seria impossível manter o mesmo nível de jornalismo com uma redação drasticamente reduzida.
Mais Perdas: Colaboradores e Contratos Precários
A sangria na Global Média não se resume à ameaça de despedimentos nos quadros. A não renovação de contratos a prazo e o fim de estágios profissionais também têm impactado a produção diária dos jornais. Rita Salcedas fez questão de lembrar que esses profissionais, apesar da precariedade dos seus vínculos, eram peças importantes na engrenagem do JN, contribuindo ativamente para a produção de conteúdo.
O Golpe na Alma do JN: A Suspensão dos Correspondentes
Mas talvez a medida mais dolorosa e com o maior potencial para desfigurar a identidade do Jornal de Notícias seja a recente suspensão de todas as prestações de serviço dos seus colaboradores pagos a recibos verdes. Esses correspondentes regionais são a espinha dorsal da presença do JN em todo o país. São eles que garantem que o jornal, apesar de ser feito a partir do Porto, seja verdadeiramente nacional, cobrindo os mais diversos cantos de Portugal.
Rita Salcedas defendeu com veemência o papel crucial desses profissionais, lembrando que o JN sempre se orgulhou de ser um jornal nacional com raízes no Norte. A suspensão das colaborações não apenas afeta o sustento desses trabalhadores, mas também silencia vozes e invisibiliza territórios, comprometendo o pluralismo e a democracia da informação.
O Alerta Presidencial e a Crise Sistémica
A gravidade da situação não passou despercebida. Rita Salcedas mencionou o alerta do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que expressou profunda preocupação com a crise na Global Média e o seu impacto na comunicação social e na própria democracia. As palavras do Presidente ecoam a perceção de que os problemas enfrentados pelo JN são um sintoma de uma crise mais profunda que assola o setor da comunicação em Portugal.
A Urgência da Regulamentação e da Transparência
A conversa tocou em pontos cruciais como a necessidade de regulamentação e fiscalização mais rigorosas sobre os grupos e fundos que investem na comunicação social. Rita Salcedas manifestou o receio de que a falta de transparência na propriedade da Global Média, com ligações a figuras e fundos com agendas obscuras, possa comprometer a independência editorial dos seus títulos.
A venda do histórico edifício do JN, um símbolo da cidade do Porto e da região, também foi lamentada, levantando questões sobre o destino dos 95 milhões de euros e o impacto da mudança para instalações menos adequadas nas condições de trabalho da redação.
O Que a Perda do JN Significa para o País
A pergunta que pairou no ar, carregada de apreensão, foi sobre as consequências do eventual enfraquecimento ou desaparecimento do Jornal de Notícias. Rita Salcedas foi enfática: o JN é o único jornal nacional generalista feito a partir do Norte. A sua ausência significaria silenciar milhares de vozes e deixar vastos territórios sem a cobertura noticiosa que lhes é devida, aprofundando a desertificação informacional e enfraquecendo o pluralismo democrático.
Um Apelo à Ação
A entrevista com Rita Salcedas no “Estado do País” é um retrato cru e urgente da crise que ameaça um dos pilares da nossa democracia: a comunicação social. O não pagamento de salários, a sombra dos despedimentos e o desmantelamento de um jornal histórico como o JN são feridas profundas que exigem atenção e ação.
