Da esperança ao desencanto: por que deixo o Partido Socialista

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Em 2018 troquei os EUA por Portugal para escapar à maré xenófoba catalisada pela eleição de Donald Trump. Ao filiar-me no PS em 2023, acreditei que, com Pedro Nuno Santos, seria possível reavivar uma agenda socialista; porém a ascensão de José Luís Carneiro e o silêncio do partido face às demolições no Talude Militar, em Loures, confirmaram a sua deriva centrista. Hoje despeço-me do PS para continuar a luta contra xenofobia e desigualdade sem amarras partidárias.

Coração Socialista Partido

Imagem por artvizual via Pixabay

Em 2004 eu e a minha esposa deixámos o Brasil rumo aos Estados Unidos, onde erguemos pequenas empresas e formámos uma família. A eleição de Donald Trump, em 2016, fez disparar os crimes de ódio e a retórica anti-imigrante, levando-nos a planear um segundo êxodo, pois não queríamos que nossos filhos, nascidos lá, crescessem num ambiente como o que se desenvolvia. Em agosto de 2018 chegamos em Portugal, cuja política migratória, então acolhedora, e um histórico de governos socialistas alimentavam expectativas de inclusão.

Não tardou, contudo, que o país conhecesse o avanço do populismo xenófobo protagonizado pelo Chega, cujos discursos e ações parlamentares contra crianças migrantes revelam um pendor nacionalista extremista. A conivência táctica de parte do PSD com esta agenda adensou a preocupação académica (de um cientista político que sou) e pessoal de quem já vira um filme similar acontecer nos EUA (como no Brasil, minha terra natal).

O PS parecia a trincheira natural. Entre 2015 e 2021 defendera, ainda que timidamente, um bloco à esquerda. Mas a queda do Orçamento em 2021 aprofundou a viragem ao centro, culminando na demissão de António Costa a 7 de novembro de 2023 sob a Operação Influencer. Foi exactamente nessa semana que pedi inscrição no partido: julgava que no momento de crise era importante a colaboração de todos e que seria possível, ao lado de Pedro Nuno Santos, reconstruir um programa socialista firme. PNS encarnava para mim uma esperança progressista, até abandonar a liderança em maio de 2025, após a derrota eleitoral que colocou a AD e o Chega à frente do PS.

Sem oposição interna, José Luís Carneiro foi eleito secretário-geral a 28 de junho de 2025, prometendo “ponderação” e diálogo ao centro. O novo rumo confirmou-se quando das demolições do bairro Talude Militar, em Loures, onde a câmara socialista destruiu 55 casas sem garantia de realojamento; mesmo após a providência cautelar que travou a operação, a direcção nacional manteve apoio político ao autarca Ricardo Leão. Ver o PS secundarizar direitos humanos por cálculo eleitoral fez-me reviver os sinais de desumanização que precipitaram a nossa saída dos EUA. Em nenhuma das bandeiras importantes atuais, o PS tem se posicionado firmente. Eu, como imigrante brasileiro, já deveria a tempos ter percebido que mesmo o PS estando no governo por muitos anos, nunca reconheceu a Palestina. Ou seja, eu falhei em não ter percebido desde mais cedo que talvez os interesses dos caciques do PS, não sejam realmente ligados aos valores humanos e socialistas.

Enquanto isso, a extrema-direita capitalizava o medo: a sua bancada passou a do PS nas legislativas de 18 de maio de 2025 e mobiliza protestos contra a imigração, apesar da resposta popular nas ruas em defesa da diversidade. O PS preferiu disputar o centro e não enfrentou a raiz do problema, abandonando o que seria esperado de alguém que se chama Socialista. As metas de excedente inscritas nos últimos programas orçamentais negociados com o PSD ilustram a capitulação programática que transforma o partido num gestor tecnocrático da estabilidade, esvaziando-o de horizonte socialista, mantendo-se em cálculos eleitoreiros por interesses de centro e não interesses de esquerda.

A desfiliação, solicitada hoje por email e enviada por carta, é portanto coerência: rejeito ficar num partido que legitima a deslocação do eixo político para a direita, aceita práticas contrárias à dignidade humana e falha em proteger os que mais necessitam, para se esconder do embate contra quem está salivando o ódio nos discursos políticos. Mantendo-me independente, por ora sem filiação partidária, continuarei a colaborar com movimentos sociais e, quando necessário, apoiarei forças que preservem um compromisso inequívoco com o Estado social e a solidariedade internacional. O combate à xenofobia, à precariedade e à desigualdade continuará, mas fora de um PS que já não reconheço.

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